António Cabrita nasceu em 1959. É escritor, poeta, cronista, professor, encenador, tradutor e durante anos foi jornalista. Tem obras publicadas em vários gêneros literários. Cabrita foi o convidado do poeta e também revisor literário Léo Cote, na última edição do Oitenta Noventa, numa conversa onde o escritor aborda vários temas relativos à sua carreira.
Há anos que António Cabrita é analista em programas televisivos em Moçambique. Foi pela televisão, através dos seus comentários que Léo Cote o conheceu. Particularmente quando Cabrita saiu em defesa da autora Sónia Sultuane a quando do lançamento do seu primeiro livro de poesia, duramente apedrejado pela crítica literária.
Para António Cabrita, é dever do poeta melhorar o espaço em que vive. Este não se deve limitar a escrever poesia, prosa, versos… Antes de mais, deve ter uma dimensão existencial, moral e do mundo em que vive. “No caso da Sónia, a crítica sobre ela tratava-se de um acto de machismo. Aquela acção foi para repor justiça, não que eu gostasse dos anteriores livros da Sónia ou da metade do livro criticado. É preciso residir na transformação do mundo e particularmente na sociedade a que pertencemos, por mais que para alguns isso pareça um acto propositado do estrangeiro”, rematou.
Dentre vários assuntos abordados, a decisão de Cabrita vir à Moçambique foi das mais sonantes durante os quase 40 minutos de conversa. O autor confessa ter recebido duras críticas e discriminações de amigos e familiares pela decisão de vir às terras do Índico, sendo que trabalhava, em Portugal, num local em que ganhava o quádruplo e podia garantir reforma. “Vir à Moçambique foi na verdade uma aposta no escuro pois podia ter aqui chegado e me metido noutras aventuras, mas cumpri com o compromisso que havia estabelecido para mim. Eu não precisava de vir a estas terras, mas vir para este país permitiu-me crescer como poeta, ter tempo, em Portugal estava numa fase em que podia ter um cargo de chefia, mas preferi vir para aqui para poder ter tempo, pois a maior riqueza do autor é o tempo”.
Quando chegou a Moçambique, António Cabrita estava há algum tempo sem escrever e manteve a pausa. Colocou-se à disposição para conhecer os códigos culturais moçambicanos, porque embora a língua falada entre Portugal e Moçambique seja a mesma, as culturas diferem e precisava desse conhecimento cultural para entender como as coisas são no país em que decidira se instalar.
O primeiro contacto de Cabrita com o jornalismo moçambicano foi no Meio Norte, convidado por Rogério Manjate. Escrevia crónicas que caíram no gosto de algumas pessoas, das quais Kok Nam que, na altura era director do jornal Savana e chamou-o a escrever para o jornal que nessa altura era quinzenal. “Eu me divertia fazendo as crónicas. Algumas das quais geraram polêmicas. De vez em quando, meti-me em sarilhos por causa disso”, disse.
Pausas, viagens, sucesso, momentos de introspecção e autoconhecimento marcam a história de Cabrita como autor. Conta que parou de escrever entre os 23 e 36 anos. Considera que a paragem serviu de autoconhecimento. Retornou à escrita aos 37 anos quando percebeu que já tinha voz forte e que já não passava de um grito de um jovem arrogante de 20 e tal anos.
“Tive sucesso no primeiro livro, e este sucesso subiu-me à cabeça , o sucesso fez-me mal porque eu não estava preparado. O casamento durou o mesmo tempo que o dinheiro”.
“Houve casos em que tive o meu livro vendido na esquina”
Escrevi sobre vivências e o livro foi lançado em Lisboa, mas teve fraca distribuição, factor apontado pelo autor como resultado de optar por editoras muito simpáticas, mas invisíveis. Para ele estes aspectos tornaram invisível a sua poesia. Na obra “Não se emenda a chuva”, publicado em Lisboa, em comemoração dos seus 50 anos, o editor do livro que também estava na capital portuguesa mandou apenas 50 exemplares da obra. “O livro teve uma fraca distribuição. Dois ou três críticos é que o conhecem.” Estes e mais aspectos contribuíram para a fraca distribuição do livro de Cabrita. “Houve casos em que tive o meu livro vendido na esquina e quando lá tentar reivindicar, as obras já tinham sido vendidas”, disse Cabrita numa expressão de lamento. Apesar da sua fraca circulação, os seus livros foram, durante os últimos anos, distinguidos em Portugal.
“Adquirir espontaneidade na prosa despertou o gosto pela poesia”
“Eu decidi reabilitar a poesia este ano, isto começou porque um amigo pediu um livro que eu dedicaria à realidade moçambicana, curiosidade entre a escrita e existência. Está previsto Ícaro para este ano. Um livro de poesia sobre retratos, que tem a ver com as coisas do mundo e sua decadência”.
O autor considera poesia um trabalho movido por inspiração, no entanto, há que ter um compromisso integral com este género e é preciso actualizar constantemente as referências na poesia. E sobre a relação entre o poeta e a palavra, Cabrita disse existir uma relação de pertença. “Temos algo que é maior que o nosso. Nos dirigimos a uma outra aventura espiritual. É um percurso da dimensão de uma espiritualidade que tem a ver com a busca da verdade”.
Aos mais jovens Cabrita deixou ficar a seguinte mensagem: “temos de redimensionar e encontrar os carris da veracidade. É preciso buscar o gume e rigor semântico das palavras, numa altura de pós-verdade e fake news. A crítica é necessária e vital. A escrita é uma ilusão, por outro lado, uma ilusão necessária.”
Assista a entrevista em aqui.
Texto: Marcela Matimbe
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