“a morte é como romper uma palavra e passar”
Herberto Hélder
Para Ana (in memoriam)
Com quem lavrei o amor até a digitalidade do silêncio.
Assim ao abrir a porta, olho para o quarto, tudo vazio: em cima da cama, ninguém nos lençóis quase emaranhados, e muito tristes. E não queria acreditar – rodeio os olhos no quarto como um manípulo da porta – o alarme de inquietação, de imediato, a sublevar na língua da cabeça, desperto os humanos de casa como almadias atracadas no cais «talvez fosse à cama no outro quarto» indago pelo qual talho – a costela – terá se ido dormir «os lugares são muito úteis p’ra nos encontrarmos num lugar geográfico».
A voz embargada de sono anuncia uma resposta que surge como uma equação irracional. Ambos desgovernados como esse país, saímos à sacudir o quintal, os nichos [os lugares suspeitos de esconder o amor] o telemóvel a servir de alumínio de luz, tal como o cajado de moisés, a separar a noite.
Ao fundo do quintal, uivo como um lobo, louco da dura imagem no diâmetro do olhar [o corpo desligado dos sentidos] e como uma maçã repartida entre irmãos, também a minha irmã uiva na janela da noite – pelo amor que nutria – transformada em estátua de lágrimas.
Os humanos da vizinhança chegam dentro da noite, com o cometa dos gritos violentos, sem tempo de calçar os pés – o tempo é uma doença antiga do homem – as tetas a balançar fora de sutiãs, e ainda com as olheiras ensonadas, distinguem sobre a morte do corpo, essa verdade última que me atormenta. E sujo de terra, caio redondo no chão húmido de cacimbo – em absoluto silêncio – todo a cair fundo em mim mesmo, e escurece.
[fim]
Por: Alerto-Bia