O comboio já começa a voltar aos carris. Depois de dois meses caóticos as coisas já começam a voltar ao sítio. O coração bombeia o sangue que é vermelho em todos animais, menos nas veias e artérias dos milionários. Estes últimos pertencem a uma outra estirpe, têm sangue azul, cabelos loiros e olhos cor de qualquer coisa que brilha.
Mas há milionários negros, carecas e barrigudos. Os milionários negros têm ancas e gostam de ser chamados de chefe. E a PIDE dos nossos tempos censura o livro pela capa. Coitado do Militar a ser assim ameaçado por gangues de analfabetos.
A Educação será sempre um grande desafio. Não há revoluções verdes ou amarelas capazes de encher as machambas do povo de livros e arte. O sustenta não é capaz de acabar com a fome de cultura. E o festival das eleições já começou. Há cabeças de listas que esquecem do seu próprio apelido. A tarefa de lambe-bota fala mais alto. A língua só conhece o nome do chefe.
No sábado babei de orgulho ao ouvir o António Cabrita, o meu professor a apresentar o novo livro do Barco Bêbado. É um livro sacana escrito por um sacana e é sobre a sacana da vida. É erótico e existencialista. O autor tem um nome impronunciável, segundo o Cabrita que detesta que lhe chamem mestre, no entanto o seu camarada Levi foi certeiro: faz de contas que não estás a ouvir. O Cabrita é um mestre, eu tinha 36 anos e ele 18 e já era um mestre. À porta do metrô a vender poemas com uma bandeira banhada de esperma, um eutético mestre sacana.
O lançamento da obra com imagens de um gajo a masturbar-se e a gozar foi na livraria Snob. Os livros e os escritores irmanados pela palavra em plena tarde de sábado. Depois fomos comer no Indiano ao lado da livraria e toda gente bebeu Cobra, uma cerveja indiana com um certo gênese quo… A noite acabou no Santos Bento 45, no karaokê. O Valério foi o cantor revelação. Foi uma noite bonita.
Mas antes do fim de semana vive-se o meio de semana. Na Quarta-feira eu estava nas Caldas da Rainha, entre falos e redemoinhos de areia. Fui ver os Míseros, a mais nova criação do Teatro da Rainha. Gil Vicente e Henrique Bento Fialho numa parelha alucinante como uma pancada. O S.N.S uma crônica sobre a nossa “pandémica” existência. As Martas, os clones virtuais, os seguidores alienados pelo telemóvel e um filósofo de cu para o ar numa ilha longe de tudo. As notícias chegam-nos pelo Caronte, um ser a navegar de barconete, invenção do Fernando Mora Ramos, um barco-trotinete. Afinal é a Siri quem fala, o Google a recitar as questões fundamentais: As crianças de Namicopo têm aulas de balé e piano clássico?
Venâncio Calisto
Lisboa, 24 de julho de 2023