Numa entrevista conduzida por Dionísio Bahúle no espaço OitentaNoventa, a autora de Niketche falou sobre literatura, África, sociedade, oralidade, educação e deixou ficar sua opinião sobre os vários assuntos relacionados às sociedades africanas.
Charrua foi dos períodos mais marcantes da literatura moçambicana e, segundo Paulina Chiziane, esta etapa foi um processo de desenvolvimento que começou há anos. Faz parte dos períodos de transição da literatura moçambicana e pertencem a esta geração, filhos de assimilados e indivíduos de boa vontade que pretendiam fazer diferença, mas a seu ver, faltava a este grupo história, cultura e conhecimento sobre a cultura africana e por isso, é categórica ao afirmar que não pertence ao grupo: “Eu faço parte do grupo que surgiu antes da Charrua, aquele que tinha como fonte para os seus escritos a oralidade e é desta que até hoje são baseadas as minhas estórias. Minhas narrativas são sobre mulheres. Contadas por mães e filhas, minha literatura e oral. É humana. Toca o coração. África é um continente de literatura feminina.” — Disse a autora de Sétimo Juramento.
“Os africanos têm os seus centros de sabedoria, estes podem ser antropólogos, sociólogos e muitos mais, mas o que acontece é que quando estes regressam ao continente, olham-no com olhos europeus. O colono reduziu-nos a nada pela forma como nos colonizou, onde simulava aproximar-se de nós, quando na verdade, colocava-nos de joelhos para ele. Diferente de outras colónias que tomaram outros povos africanos e separaram-se deles, de alguma forma, isso ajudou aos outros países a manterem activa a sua cultura”.
Na perceção de Paulina Chiziane, a base para o desenvolvimento dos africanos é a valorização da sua identidade cultural e aponta os tempos da COVID-19, como sendo marcados pelo ressurgimento de soluções que eram diabolizadas pela modernidade, as curas na base de plantas que são originalmente africanas.
“Vivemos numa época em que tudo que é tido como tradição africana é subjugado como negativo. Há falta de exaltação de aspectos positivos da tradição africana, os próprios estudantes africanos subalternizam e inferiorizam a sua cultura”.
Sobre ser rotulada de acordo com o que escreve, a autora de Ventos do Apocalipse disse:
“Os moçambicanos entendem que quando um autor escreve sobre um determinado tema é porque este o é. Eu já fui chamada romancista, curandeira e agora vão chamar-me criminosa por ter escrito sobre criminalidade”.
Paulina Chiziane foi a primeira mulher no País a publicar um romance, Baladas de Amor ao Vento, em 1990, mas recusou esse estatuto. E em 2021 foi-lhe atribuída o Prémio Camões, o mais importante entre os países de língua portuguesa.
Paulina considera importante que surjam, em países de expressão portuguesa, marcas de vozes que deixam legado ou posicionamento sobre o mundo, o que, a seu ver, ainda não existe. Contrariamente ao que acontece em países de outras expressões.
Esta entrevista aconteceu no âmbito da OitentaNoventa, uma iniciativa que coloca as novas vozes literárias diante dos seus autores preferidos para conversar sobre a escrita, os livros e a vida. Assista na integra aqui.
Por: Marcela Matimbe