Leio e escrevo, em primeiro lugar por paixão. Não me vejo a evoluir ou ser feliz sem o fazer. O facto de poder partilhar a escrita com o leitor é motivador, mas escrevo mais por paixão – VIRGÍLIA FERRÃO
A 3 de Outubro de 1986, nascia em Maputo, a escritora Virgília Ferrão, registada Virgília Leonilde Tembo Ferrão.
Seus pais são naturais de Angónia, um distrito da província de Tete. A avó materna é de Domué e o avô do vizinho Malawi e, do lado paterno, a avó de Chinde e o avô de Déguè.
Provém de uma família cuja genealogia revela que entre os seus ancestrais houve chefes tradicionais de reinados locais de Angónia e capitães-mor de Tete e Chicoa, descendentes de militares provenientes de Goa, Índia.
EDUCAÇÃO
Virgília Ferrão teve uma infância marcada por migrações significativas. Aos oito anos, junto com os seus parentes mudou-se de Maputo, onde actualmente reside, para Tete, tanto que repartiu o ensino primário nestas duas províncias, tendo posteriormente concluído a instrução secundária na capital moçambicana e em Melbourne, na Austrália.
É licenciada em Direito pelo Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique –ISCTEM, (2008), com um mestrado em Ambiente, feito na Austrália, em 2011. Como consultora jurídica passou pela Sal & Caldeira Advogados, (2008 a 2010), Pimenta & Associados (2013 a 2016), tendo ainda trabalhado para a Anadarko. Actualmente colabora com a TotalEnergies.
OBRAS
No início da adolescência descobri uma forte apetência para sentar durante várias horas em frente à máquina de escrever do meu pai. Gostava muito de idealizar e sonhar, o que me fez, de certa forma, querer contar histórias – VIRGÍLIA FERRÃO
Virgília Ferrão estreou-se em 2005, com o livro Romeo é Xingondo e a Julieta Machangana, assinado pelo pseudónimo Awaji Malunga, sob a chancela da Imprensa Universitária da UEM. No romance o destino dos protagonistas Dalitso e Quássia, de etnias diferentes, cruzam-se entre tensões e contradições num contexto em que as suas famílias odeiam-se. Um livro que marca um diferencial na literatura moçambicana ao abordar uma temática que sendo real, falta coragem para ganhar voz. Nesse aspecto, é uma primeira viagem promissora da escritora, até pela sua escrita afinada ao mesmo tempo que se aproxima das gírias das diferentes culturais no livro, desde o Xi-sena (de onde vem o Xingondo) ao Xi-changana (de onde vem o machangana).
Em sua tese de mestrado, Marta Matsimbe, destaca o facto de Virgília Ferrão apropriar-se e atualizar o romance clássico e canônico [Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare], “ressignificando-o, performa, através das personagens da diegese, os imaginários tanto espaciais-geográficos, sobrenaturais, linguísticos, muito característicos aos moçambicanos, promovendo um deslocamento, identitário e social na contemporaneidade. Essa ressignificação origina uma realidade literária com novas nuances estéticas em relação ao sistema literário moçambicano.”
Seguiu-se, em 2016, O Inspector de Xindzimila editado pela editora Selo Jovem, no Brasil, que narra a história de um jovem que regressa à pequena e pacata vila de Xindzimila, sua terra natal, e remete o leitor a uma jornada emocionante na redescoberta de valores como o amor, humildade e família.
O Inspector de Xindzimila é um livro de género policial e realista publicado no Brasil pela editora Selo Jovem, que serve de exemplo para aquilo que Virgília Ferrão aspira enquanto autora.
Embora não publicada ainda, a sua novela Corais e Rosas, que narra uma história de amor e amizade, abordando igualmente questões como o ambiente a preservação do património cultural fez dela a primeira mulher a ganhar, em 2019, o Premio Literário 10 de Novembro, atribuído pelo Município de Maputo e pela Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO).
Pretendo estimular a produção de géneros pouco experimentados em Moçambique – VIRGÍLIA FERRÃO
A propósito desta afirmação é importante mencionar ser a escritora uma das administradoras do blog Diário de Uma Qawwi, que em breve publicará a antologia Espíritos Quânticos: Uma jornada por histórias de África em ficção especulativa, reunindo vozes de diversas geografias e gerações.
INFLUÊNCIAS
Na banda desenhada, a autora destaca “os tios patinhas” e, no romance cor-de-rosa, narrativas como “Harlequim”, “Biancas” e “Sabrinas”. Neste período também andou a folhear “livros condessados”, que estavam disponíveis na biblioteca da escola e a “Triângulo Jota”.
Virgília Ferrão, igualmente apreciadora do cinema e da música. Assume influências de escritores como Paulina Chiziane, Jane Austen, Jorge Amado, Mia Couto, Matt Haig, John Grisham, Robin Cook, Meg Cabot, Ângela Makholwa e Zukiswa Wanner.
Estes autores, explica, ajudaram-na a transformar-se numa sonhadora e, consequentemente, transcritora de sonhos no papel. “Escrever surgiu como um método eficaz para registar as histórias que idealizava, mas a motivação para publicar partiu de terceiros”, contou, quem naturalizou a leitura e escrita.
“Faz parte do meu dia-a-dia. Gosto de ter papéis por perto, para poder anotar um pensamento, uma ideia. Boas (ou talvez más) ideias costumam aparecer também a dormir. É mais fácil escrever quando leio”.