Meu amigo Constantino| Meu amigo precisado
Meu amigo Namusadala| próprio Dr. Mussá Rodrigues
Nós somos atrizes| Nós somos actores
Nós somos o Teatro| aqui em Guimarãe
Ainda ecoa em mim o cover da velha canção da minha infância entoada por vozes plurais na cidade mais antiga do mundo. Foi no passado sábado, no primeiro dia do mês de abril, o dia da apresentação pública, em Guimarães, do material dramático que tenho recolhido e produzido desde que iniciou esta viagem por mim, terra. O Teatro Nacional Dona Maria II desafiou-me a escrever sobre mim, a contar a minha história. Pela primeira vez pude ensaiar o gesto existencial: olhar para dentro.
Se eu for embora
Quero que saibam
que fiz de tudo
mas deu para continuar
eu vou embora
eu vou embora
embora
eu não queira
ir embora
Há dez anos cantei esta canção pela primeira vez no Ntsindya nas entusiásticas e utópicas noites de sarau de poesia e música acústica à luz de velas. O centro cultural vizinho do mercado Xipamanine foi o meu primeiro palco, o meu primeiro laboratório e santuário criativo. Mas desta vez a canção amargou na boca. A profecia aconteceu.
Quando abri a boca para expirar a velha canção da minha juventude o público de Guimarães suspendeu a respiração e a leitura encenada começou. A João e a Rita foram as minhas acompanhantes, mancebas e mestres do grande ritual. No chão, bem no centro do Café Concerto do Vila Flor pintei areia sobre papel A4. E convoquei todos os meus antepassados. Orei e dei-lhes de beber um calço de Macieira à moda Nicolau. E tudo o resto foi sonho: no fim, o pôr do sol. No jardim, o fim da performance.
Por Venâncio Calisto
Alcochete, 02 de abril de 2023