O autor Francisco Panguana Jr. venceu a primeira edição do prémio Literário Carlos Morgado no género conto com o texto intitulado A Ilegítima defesa de Adão. Natural da cidade de Maputo e residente na província de Tete, seu conto A Ilegítima defesa de Adão, destacou-se entre os 91 textos submetidos a concurso por trazer momentos do realismo mágico no tempo e por desafiar dilemas da contemporaneidade que desafiam mudanças.
Francisco Panguana Júnior é licenciado em Ensino de Português com Habilitações em Ensino de Inglês pela Universidade Pedagógica de Maputo. Publicou o conto O fim da Estrada na Antologia “Um natal experimental e outros contos” editada pela Gala-gala Edições; o poema Cara e coroa na antologia “No Cais do amor” chancelada pela Editora Kulera e o conto Preterição na antologia ‘Água’ editada pela Editorial Fundza. Tem um conto intitulado O regresso do soldado a ser publicado na antologia ‘Paz e Reconciliação’ a ser chancelado pela Editorial Fundza. É co-autor do e-book ́ “Estudos Linguísticos sobre Moçambique” que sai pela editora brasileira Schreiben. É embaixador da Paz da Global Peace Chain e da Comissão Europeia.
Confira a entrevista feita a Francisco Panguana Júnior sobre sua relação com o género literário conto e os processos criativos por detrás da história de “A Ilegítima defesa de Adão” e a sua experiência com o Prémio Literário Carlos Morgado..
Catalogus: Como é a tua relação com o género conto?
Francisco Panguana Junior: O conto foi a primeira forma de comunicação literária a que tive acesso, oralmente, através das histórias que me eram contadas pelo meu pai. É também o primeiro género que aprendi a produzir e por coincidência, é o primeiro género que publiquei no início da minha actividade literária. O conto é um dos meus géneros preferidos porque permite-me usar uma variedade de recursos linguísticos que me permitem reflectir em torno de vários aspectos: a narração, a descrição e o monólogo.
C: Percebe-se que o cotidiano está grandemente reflectido na sua narrativa. Até que ponto a observação foi importante no processo criativo do seu texto?
FPJ: A literatura é uma forma de recriação da realidade social. Uma melhor recriação demanda uma observação minuciosa do cotidiano. Como modo de apropriação do mundo exterior, a observação é deveras importante de modo a perceber como o cotidiano da nossa sociedade se constrói e que factores o determina. Tomando em consideração a construção da diegese deste texto, é de notar que observando o espaço físico, nota-se a segmentação de classes e a luta contínua pela sobrevivência. A observação permitiu-me perceber até que ponto as relações sociais entre os diversos segmentos sociais evoluíram em função do tempo: período pré- pandémico e pandémico. Com este método foi possível narrar as metamorfoses sócio- económicas resultantes da reestruturação governativa e a implementação de medidas sanitárias.
C: A tradição e a oralidade são elementos fundamentais na construção do seu conto. Fala-nos da influência da tradição na construção da sua narrativa.
FPJ: Todas as sociedades possuem uma tradição, embora em alguns casos não haja uma aceitação ampla de alguns elementos. A tradição mantém-se presente em todos os aspectos da nossa vida, sobretudo na forma como interpretamos os fenómenos sociais, culturais e políticos. A construção desta narrativa serviu-se da tradição para reflectir o pensamento de um determinado grupo social, num meio rural, perante a modificações político-administrativas que ocorreram na sua região. Interessou-me também plasmar a relação entre as estruturas tradicionais e o poder político. Acredito, como tento ilustrar no texto, que o poder político influencia a tradição.
C: Os personagens em “A Ilegítima defesa de Adão” reflectem um espaço temporal presente. Como é construída esta relação entre os personagens?
FPJ: A relação entre os personagens é de poder. Como se pode verificar, nos dois períodos principais retratados no texto, sempre existe um indivíduo do qual a população local depende, sobretudo em situações de extrema necessidade. Com o passar do tempo, com a institucionalização de uma nova forma de governação, o poder passa para uma outra entidade da qual depende, também, quem previamente detinha o poder. Isto gera um conflito sobre o qual gravitam as relações entre os personagens. Ainda, temos aqui uma divergência de sentimentos entre os subordinados e o detentor do poder local. Os subordinados tentam conviver com o detentor do poder como um membro (nativo) porém, o detentor deste poder pensa somente no seu bem-estar.
C: Sabe-se que a arte é uma maneira de expressar mensagens ou pensamentos. Que mensagem deseja passar com este conto?
FPJ: No que concerne aos objectivos comunicativos, o texto tenta expressar as seguintes mensagens: -o nosso sistema de protecção social é frágil e excludente. É necessário que se instituam políticas públicas de protecção social que tenham em conta os meios de subsistência das populações desfavorecidas; -as estruturas governativas não tem em consideração a situação social e não visam a sua inclusão na política porque, como se percebe em relação ao personagem principal, o povo não elege os supostos seus representantes; -os casamentos prematuros a ainda subsistem e são, por vezes, promovidos por aqueles que têm o mandato de os combater.
C: De que forma se preparou para participar do concurso?
FPJ: Planifiquei três etapas da minha escrita: a pré-escrita, a escrita e a pós-escrita. Na primeira etapa, delineei a temática central que ia abordar no meu texto. Ainda, idealizei o tipo de personagens, espaços, temáticas secundárias e o conflito. Na escrita, procedi à articulação dos elementos da narrativa no enredo na superfície textual. Terminada a escrita, fiz a revisão que consistiu, para além da correcção linguística, na adequação técnico-literária do texto. Em outras palavras, nesta fase fiz a adequação da linguagem ao género textual que estava a produzir, verifiquei a conformidade da relação entre a diegese e os personagens e confirmei a possibilidade do alcance do propósito comunicativo do texto.
C: Quais eram as tuas expectativas face ao Prémio Literário Carlos
Morgado?
FPJ: Desde que vi o Edital, fiquei entusiasmado em participar deste evento pois constitui uma grande oportunidade para a divulgação da produção literária dos jovens moçambicanos. Pretendia, por conseguinte, servir-me desta Plataforma para divulgar o meu trabalho. Participar do concurso foi, em si, uma forma de cidadania literária porquanto pude usar a minha escrita criativa para reflectir em torno de certos aspectos sociais e políticos de modo a chamar atenção à sua reflexão.
Esperava, como aconteceu, uma massiva participação dos jovens de todas as províncias do país, o que iria plasmar a nossa pluralidade e multiplicidade de perspectivas.
C: Descreva as transformações que este prémio trará à sua carreira como
escritor.
FPJ: Em primeiro lugar, o prémio afigura-se como firmamento de um compromisso pois já me sinto comprometido em produzir mais obras e sobretudo, produzir a minha obra a solo. Ademais, irei contribuir para a promoção da leitura para o aparecimento de novos escritores através da minha participação em diversos eventos literários, feiras, tertúlias, conferências, etc..
C:Que dicas deixa aos escritores que desejam ganhar prémios?
FPJ: Embora seja difícil dar ‘receitas’ para uma produção literária de qualidade, vou aqui apresentar algumas sugestões. Primeiro, é necessário que sejamos amantes da leitura pois está comprovado que só escreve melhor quem lê muito. É necessário que sejamos porta-vozes da sociedade, isto é, ter paixão em reflectir em torno de vários aspectos que ocorrem na sociedade de modo a surgir mudanças. Devemos apresentar autenticidade, é necessário que deixemos a nossa identidade e originalidade na nossa escrita, embora sempre o escritor se inspire num certo movimento literário ou certo autor.