No Martim Moniz, no centro histórico de Lisboa, há uns tipos de bonés e capuchos escuros. Vivem na praça multicultural e sentem-se cidadãos do mundo. Lá conheci dois jovens do Gabão. Ambos não falam português mas são fluentes em inglês. Falamos entre tragos de cigarros e cantadas às moças que por ali passavam. Era noite de segunda-feira e soprava uma brisa ligeira, a cidade velha resplandecia como uma estrela anunciando o nascimento do Messias.
O TS é o músico número um do Gabão, mas os jovens adoram Michael Jackson. O moço mais baixo pede-me para dar uma volta na minha bicicleta. Desaparece por uns minutos. Volta. Senta-se ao meu lado e pega no meu telemóvel. Michael Jackson já está na playlist.
A azáfama da praça fica por instantes suspensa. Ouvimos a música. O jovem gabonese dança sentado. E fala-me dos seus dissabores amorosos. Digo-lhe que sou escritor à caça de narrativas. Conta-me a sua trama amorosa. Fuma um cigarro. Michael Jackson a tocar- Ele a dançar e eu no meio da praça a ver uma estrela cadente rasgar o céu.
No Martim Moniz eu estava sentado no meio da gangue de pretos do Gabão. O tipo mais alto saca da carteira um maço de notas de dez. E diz, ríspido, sem dinheiro não serve para nada. Ninguém gosta de ti. No Gabão é pior. Quem não tem dinheiro não é digno de respeito. Michael Jackson ajudou muito as crianças africanas. Fala o mais baixo. Enquanto dança sentado.
Os jovens traficam maconha no meio da praça Martim Moniz. Enquanto isso, um grupo de jovens indianos jogam rebi. Michael Jackson continua a dançar o seu Trailer com os icónicos zombies. A noite está cada vez mais fresca. Uma fanta laranja gira na roda. Tomo um gole. À nossa volta uma nuvem de fumo e gente a passar de um lado para o outro. E eu no meio da gangue, sentado ao lado dos diler´s de Lisboa.
Venâncio Calisto
Lisboa, 10 de julho de 2023