Começaria a responder à pergunta que me colocada dizendo o que a poesia não é. Estranha forma de começar, não é? A meu ver, a poesia não é um espaço de ilegibilidade e hermetismo.
Vejo a poesia como um princípio peculiar de segmentação do discurso que se rege por regras próprias que mesmo sendo alheias a princípios sintácticos rígidos, configuram-se numa estilística que lhes permite ser um espaço de interacção entre o poeta e o leitor.
Esta interacção (poeta-leitor) independe do tempo e do espaço em que ambos se encontrem e desencadeia a negação a que me referia início: não é um espaço de ilegibilidade e hermetismo.
Por ser, portanto, esta fruição da alma relativamente ao estado de quem a produz que é veiculada numa língua que é produto da socialização, a poesia participa também desse exercício social que faz com seja o repositório de crenças, modismos, angústias, utopias e dilemas de um certo tempo e espaço.
geração XXI
(ao _ nosso _ entusiasmo pela forma)
…se com as lágrimas do nosso
mundo (interno e externo, diga-se).
Não espevitamos a tinta para o panfleto
que se fez medula dos militantes do
Combate (nossos fundadores). Podemos,
ao menos, gerar espelhos na palma
para rever o nosso rosto?
pouso
…no pico de uma noite insone. Vem-me
este Lee Ritenour com o seu “dream away”.
Como se sonhar não fosse senão a
experiência do voo. Para quem não tem
asas. Fiz, pela janela, preces de água, pão
e luz. Ao raio de uma estrela cadente.
Porque é o “away” que alcanço neste exercício
fadado aos poetas. Quando não se lhes serve
o vaticínio. A paz e outros clichês. Não alcanço:
é preciso ser-se muito poeta para vaticinar
(ao povo) o que não cabe na bolsa de valores.
Elísio Miambo
É escritor, ensaísta e docente inserido na Associação cultural Xitende, um movimento cultural que dinamiza a literatura na cidade de Xai-Xai. Tem textos seus publicados nos jornais O País e Notícias, na Revista Mapas do Confinamento e em diversas antologias. Co-organizou duas Antologias poéticas: Vozes do Hinterland (2014) & No cais do amor (2022). Em 2020 publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado Retroalimentações do Ego.
2 Responses
Q poesia não é um espaço de ilegitimidade e hermetismo
gostei muito do site parabéns 🙂