Antes de dar liberdade as palavras e dizer o que a poesia é para mim, começo por cascar ou descascar a fruta da compreensão; a poesia acompanha-nos mesmo antes de nascermos para este belo e perverso mundo, podemos com os olhos mágicos da imaginação, migrar para aonde quisermos, no ventre da nossa mãe por exemplo, foi a nossa primeira casa. Lá a mãe pôde sentir a vibração da vida. Com os olhos da imaginação poética podemos ver o nosso nascimento, quando preenchemos pela primeira vez o silêncio do mundo com o som do choro e de forma inusitada arranhamos a pele das ondas do ar na sala de partos, com as nossas mãos e nossos pés, podemos ver o sorriso da nossa mãe a acender-se no rosto como se fosse a lua a dominar a escuridão da noite.
A poesia é a certeza da valsa da respiração. É o sol da vida. Associo-a também ao belo e não a palavra que a veste, porque a poesia antes de ser trajada pela palavra é aroma, imagem, som, sabor, toque, coração a bater, a estrangular o peito, se existe uma geologia da arte poética assomo a poesia como um minério extraído no sobsolo da imaginação, representa a essência da vida e os mistérios que nos circundam.
Se existe uma ciência do acaso e da natureza a poesia é um pássaro que de repente pousa no ramo da nossa imaginação.
Por isso deixo os textos dos poetas Noémia de Sousa, Florbela Espanca e Eduardo White:
Noémia de Sousa
Poesia:
por que você veio hoje
precisamente hoje, que não posso te receber?
Hoje,
que tudo tem uma cor
de pesadelo e que até minha irmã a lua
Ele não veio, com sua carícia fraterna, para me acalmar?
oh poesia
Não, não venha hoje!
Você não pode ver que minha alma
não consigo te entender?
que está fechado
cercado, exausto,
e não quer mais
o que chorar?
Hoje eu só saberia cantar
minha própria dor…
iria ignorar
tudo o que tu, Poesia,
você vem confessar…
e minha dor
qual é a minha dor egoísta e vazia,
em comparação com os sofrimentos seculares
de irmãos de mil a mil?
Bem, eu sei que minhas lágrimas preguiçosas
nem valeriam o mais humilde poema…
E se você sabe que é assim, oh, Poesia!
é melhor você ficar onde está
E não vem hoje, não!
Florbela Espanca
Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!
Eduardo White
Uma mão relampeja na casa da escrita.
Faísca Troveja.
Procura um claro instante para a aparição.
Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel,
deitada do seu lado ou do seu modo rastejante,
pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras,
a sua rasante arrumação,
e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem,
rítmica, latejante
ou um nervo animal que faz lembrar
a textura pedestre do papel.
Mas a mão voa, explosiva,
e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica.
Voar é um fervoroso recolhimento.
E no que é quase a medida elementar do esquecimento
a escrita navega
num estuário de silêncio.
Escrever é uma droga antiga,
uma bebedeira que queima com lentidão
a cabeça,
traz as luzes desde as vísceras,
o sangue a ferver nas vias tubulantes,
traz a natureza estimulante das paisagens
que temos dentro.”
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Jaime Munguambe é poeta, biógrafo e Ghost Writer, escreve poesia e outros géneros. Publicou em 2016 o livro de poesia “As idades do vento” e tem participado em Feiras Virtais de Literatura, Maratona Virtual de Poesia no México, Brasil e outros países. Actualmente trabalha como biográfico na Biolivros.