“Poemas de Cabo e do Confinamento e Outras Extensões”, mais recente livro de Armando Artur, é composto por 85 poemas de uma profunda introspecção do sujeito poético, que procura do seu íntimo e no horizonte, deixar falar a palavra. Nota-se, no livro, um Armando Artur, em síntese de toda a sua escrita, do esmero em encontrar as palavras certas, para dizer muito. Não se trata de economizar no verbo, é antes a extensão do campo da linguagem onde a poesia está por cima de todas as vontades do poeta, este que olha-se por dentro e deixa falar os silêncios e as vontades:
Eis-me pois à estampa e simetria
Daqueles em que me inspiro.
Não me furto por isso. Nunca!
Diferente desta condição minha.
Sei que às vezes me descruzo
Comigo mesmo, naquelas tardes
Em que o sol me acena exausto
Por detrás das colinas.
(p.36)
Nota-se um poeta que não se exime e não deixa o verso livre pelos andares da folha. Acompanha-o e deixa cair a emoção dos seus dias, das suas vidas, das suas vivências. Um poeta com anos de vida e de experiência que vai influenciar muitos dos textos que escreve na obra. Encontram-se textos em que reflecte a sociedade, sem julgar, conversa com amigos e os seus íntimos, pensa os processos existenciais, os cursos da vida líquida e por vezes diluída de personagens que deambulam na nossa sociedade. É uma poética de personagens, cenários e contextos.
Esse “Poemas de Cabo e do Confinamento e Outras Extensões” são vários retratos. Mas é sobretudo o “Espelho dos Dias” ou a “Quintessência do Ser”, celebra a poeticidade dos momentos, a alegria das pequenas coisas, insignificantes, talvez, no momento em que as viveu, mas que hoje são toda matéria, transformando a sua escrita em “Elegia de Si Maior:
Digam que procurei ser
Simplesmente
Um olheiro das coisas triviais,
Da vida que chega e parte
Aleatoriamente,
E da sua realização na tela
Dos acontecimentos
(p.44)
Em poemas como “Quando eu for poeta” (excerto que acabamos de ler), finalmente o poeta fica por fora da poesia, e olha-se para o Armando Artur, sujeito da sua própria obra. O homem que se rende à condição de trabalhador das palavras, porque, enfim, a poesia, como ele próprio dissera, “magoa”.
Em nota escrita no livro, o ensaísta Lucílio Manjate, chamou este, um livro de “afectos confinados” e justifica: “penso no contexto que gerou boa parte da poesia aqui decantada. Neste sentido, é capaz de chegar ao leitor a imagem de uma voz asfixiada”.
Ao que se nota, o confinamento que gerou a Covid-19, trouxe-nos este livro que abriu espaço para navegarmos na alma do poeta, seus temores, amores e querências. A intimidade e a proximidade das palavras, como se finalmente, tivéssemos chegado a um ponto em que o poeta não pode fingir sentir dor. O corpo é um lugar vazio que procura se preencher com pequenos acontecimentos, que vão ganhando dimensão própria.
Com mais de 35 anos a publicar poesia, com cerca de 15 livros publicados, Armando Artur recebeu o galardão que consagra a carreira literária em Moçambique, o Prémio José Craveirinha, 2021.
Por Eduardo Quive