Quem terá coragem?

O terror vivido pelo Inocêncio só pode encontrar paralelismo no cinema. Mas convenhamos que a vida em Maputo é um autêntico filme. Penso nisso enquanto aprecio a trágica instalação do mal em exposição nas ruas da minha cidade. A rua: o verdadeiro palco social.

Não era suposto que o espaço público fosse uma ágora e não um coliseu romano?

 

Um povo civil a ser gladiado por um povo fardado. É a velha lei da guerra: “viver pela pátria e morrer sem razão” teria dito Vandré antes de ser espancado até ao esquecimento de si próprio. Não é para isso que serve a repreensão? Injectar medo na população até ao esquecimento da sua identidade e por consequência da sua luta?

 

O Inocêncio ficou sem o olho esquerdo. A polícia que o devia defender foi a mesma que o mutilou. O Inocêncio viu a bala do Homem mau, a bala faminta das mil fomes do povo a encher de chumbo a sua retina. Inocêncio agora já não pode ver para além da sombra armada que o alvejou. Inocêncio… que ironia.

 

O povo não pode mais gritar, o latido dos cães dos patrões ensurdece qualquer tentativa de clamor. Povo no poder? Ambicionar o poder é um sacrilégio. Um mote para o decreto de morte. O Inocêncio escapou à morte. Que sorte! Mas agora quem terá coragem?

 

 

Venâncio Calisto

Alcochete, 20 de março de 2023

 

Compartilhar
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email
Print

2 Responses

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *