Escrever para curar a ferida da morte, vencer a solidão, o esquecimento e sobretudo a escrita como um acto de libertação, é o que move o poeta, editor e médico, Mbate Pedro, em resposta a pergunta sobre que feridas deseja curar com a escrita, numa entrevista dirigida por Venâncio Calisto, no OitentaNoventa.
A conversa iniciou com Mbate a falar sobre a relação entre o leitor e o escritor. Apontou a literatura como sendo libertadora para ambos (leitor e escritor), libertam-se das várias alienações. “O mais importante na literatura é que a gente escreve sempre para um leitor, seja ele quem for, há alguém, em qualquer parte do mundo que se vai identificar com o poema, por isso temos que nos dar grato que haja um leitor generoso que está disposto a ler o que a gente escreve. A literatura é maior do que o autor… A arte da literatura é uma reinvenção, poesia é livre e em qualquer parte do mundo a poesia vai ser útil a alguém. Há um pacto entre quem escreve e quem lê”.
Na perspectiva de Venâncio Calisto, para se ser escritor há que ter em conta três aspectos nomeadamente, memória, criatividade — parece difícil se ser autor sem que se tenha um alto sentido de imaginação — e o terceiro aspecto são as leituras do autor, embora a seu ver, exista actualmente a moda do escritor que não lê. “O mais interessante na literatura é poder alcançar vários autores através de um”.
A editora cavalo do mar, dirigida por Mbate Pedro, está no mercado há cinco anos, a maioria dos livros editados pela editora são de poesia, e justifica-se:
“Eu quis fazer uma homenagem a este género literário que hoje em dia está em apuros, é só ver nas livrarias, raramente são encontrados livros de poesia, mesmo se encontrados, estes estão nos locais mais inacessíveis da livraria, era preciso homenagear este género e aos poetas”. O editor carrega consigo algumas premiações, mas as considera como sendo acidentes de percurso e aponta como vantagens a visibilidade que isso dá ao autor e à sua obra.
“O maior prémio que a pessoa pode receber é o pacto de generosidade com o leitor, que haja pelo menos quem leia os seus livros, pois se ninguém os lê, estes não existem, porque o que nós escrevemos são símbolos mortos, por mais que seja muito bonito aquilo torna-se um leão morto que não ruge. Quem dá vida àqueles símbolos mortos é o leitor, porque sem ele o livro não existe”.
Questionado sobre como se fazem leitores numa altura em que há ineficiência de políticas de promoção e distribuição do livro, Mbate Pedro afirmou que há uma ausência de locais de leitura em Maputo, nos últimos anos houve encerramento de várias livrarias, em contrapartida, há um crescimento de editoras e eventos que proporcionam a cultura de leitura, porém sem acompanhamento político.
Esta entrevista aconteceu no âmbito da OitentaNoventa, uma iniciativa que coloca as novas vozes literárias diante dos seus autores preferidos para conversar sobre a escrita, os livros e a vida. Assista na integra aqui.
Texto de: Marcela Matimbe
Foto: Folha de São Paulo