Morreu Ngũgĩ Wa Thiong’o: recordamos a entrevista publicada em Moçambique onde o autor deixa único conselho aos jovens escritores

O escritor queniano Ngũgĩ Wa Thiong’o morreu na manhã de quarta-feira, 28 de Maio, nos Estados Unidos de América, aos 87 anos. Os livros do autor queniano registam milhões de cópias em dezenas de línguas pelo mundo e em 2017, a Ladbrokes, uma empresa de apostas, o fez passar da quarta para a primeira posição, entre os favoritos ao Prémio Nobel da Literatura. Tal sucesso tem estado por volta de Wa Thiong’o, mesmo através dos seus textos que desde os finais de 1970 têm sido escritos numa das línguas mais faladas do Quénia, o Gĩkũyũ.

O escritor queniano Ngũgĩ Wa Thiong’o morreu na manhã de quarta-feira, 28 de Maio, nos Estados Unidos de América, aos 87 anos. Em 2018 Ngũgĩ Wa Thiong’o foi entrevistado para a revista moçambicana pelo jornalista e editor Alex Macbeth, traduzida por Jessemusse Cacinda, nas vésperas de publicação em Maputo da primeira edição em Português do romance clássico “MATIGARI”. Nessa entrevista o escritor falou do seu trabalho, seus métodos e os desafios que se colocam aos escritores africanos.

 

Por ALEX MACBETH

O autor Queniano, Ngũgĩ Wa Thiong’o é o farol da esperança para o trabalho criativo dos autores africanos em uma das mais de duas mil línguas autóctones. Seus livros registam milhões de cópias em dezenas de línguas pelo mundo e em 2017, a Ladbrokes, uma empresa de apostas, o fez passar da quarta para a primeira posição, entre os favoritos ao Prémio Nobel da Literatura. Tal sucesso tem estado por volta de Wa Thiong’o, mesmo através dos seus textos que desde os finais de 1970 têm sido escritos numa das línguas mais faladas do Quénia, o Gĩkũyũ.

“Eu percebi que havia mais Gĩkũyũ em mim de uma forma que nem podia imaginar” – disse Ngũgĩ Wa Thiong’o em entrevista à Revista Literatas (que transcrevemos abaixo) feita a partir da Califórnia, nos Estados Unidos da América, onde o autor viveu por grandes períodos desde que abandonou o Quénia e mandou-se para o exílio em 1980.

Wa Thiong’o “criou” a sua própria língua, tem estado na linha da frente – quando o assunto é tornar a literatura um instrumento de protesto e caminho de progresso – por muitas décadas em África. Após a publicação da sua peça teatral Ngaahika Ndeenda (Casarei Quando Quiser), o escritor foi condenado sem julgamento em 1977 no Quénia pelo então ditador, Daniel Arap Moi.  

Wa Thiong’o não se deteve. Na prisão, com recurso a um papel higiénico, escreveu uma das suas obras-primas, Devil on the Cross (Diabo na Cruz) – uma forte manifestação contra as políticas pós-coloniais. O romance foi contrabandeado e tornou-se num clássico africano. O personagem fictício, Matigari, que emprestou seu nome para título do seu próximo livro (que agora chega pela primeira vez ao universo da língua portuguesa), atiçou os nervos do governo Queniano que em 1980 perguntava aos prisioneiros se conviviam com o protagonista descrito no romance. O livro – milhares de cópias foram vendidas no Quênia – que chegou a ser um daqueles textos que era lido em voz alta nos cafés. “Matigari é uma história simples e escrevi de qualquer maneira” – disse o autor.

 

LITERATAS: No livro, Decolonizing the Mind, o senhor escreveu sobre a necessidade de escrever nas línguas maternas. Como foi para você deixar de escrever em inglês para escrever em Gĩkũyũ? Quais são os desafios que você enfrenta para estar escrevendo nesta língua?

NGŨGĨ WA THIONG’O: O principal desafio é psicológico. Dúvidas se pudemos realmente fazer. Mas quando comecei a perceber que havia mais Gĩkũyũ em mim de uma forma que nem podia imaginar. Mas tem existido outros desafios, sendo o principal, o da publicação. As editoras não têm meus livros em Gĩkũyũ, a rapidez quem com os livros em inglês. Existe também o factor da não existência de muitas editoras, se há alguma, especializada na publicação em línguas africanas. Não existem revistas e jornais em Gĩkũyũ. E uma vez que os livros são publicados, não tem revisão literária na própria língua, Gĩkũyũ.

 

LITERATAS: Tem estado na vanguarda da literatura africana há aproximadamente 50 anos. Quais são os grandes desafios que a si, se colocam, como escritor hoje e como estes desafios têm se manifestado ao longo deste seu percurso criativo?

NGŨGĨ WA THIONG’O: Todos os escritores, não importa o idioma que escolham usar, enfrentam sempre o desafio imaginativo e a criação de futuros projetos. Mas no caso do trabalho da escrita nas línguas africanas, estão os problemas anteriormente arrolados: falta de espaços de publicação, principalmente. 

 

Capa da edição da revista LITERATAS, Julho, 2018.

 

LITERATAS: Qual é o passo importante que deve ser dado pelos governantes, editores, acadêmicos e outras instituições para apoiar os escritores africanos e distribuir seu trabalho?

NGŨGĨ WA THIONG’O: Os governos devem apresentar políticas positivas sobre as línguas africanas. Temos de nos afastar da mentira colonial de que precisamos apenas de uma língua numa nação e essa língua deve ser uma europeia. O monolinguismo é o monóxido de carbono das culturas. O multilinguismo é o oxigénio das culturas. Eu advogo uma política de três línguas para todas as crianças africanas em todos os estados africanos: a sua língua materna, mais a língua franca e mais qualquer uma das línguas europeias de acordo com a especificidade do país, podendo ser português, inglês ou francês, por aí em diante. Precisamos de uma parceria entre os governos, as editoras, os escritores e os leitores.

 

LITERATAS: A França valoriza a literatura africana produzida em francês, A Grã-Bretanha reivindica a literatura africana escrita em inglês, assim como Portugal vê a literatura africana centrando o seu horizonte na produção feita nos PALOP. Mas há pouca tradução. Como isso contribui para que as narrativas africanas não transitem como próprias fronteiras internas?

NGŨGĨ WA THIONG’O: Eu chamo isso de literatura africana eurófona, isto é, literatura Afro-Lusófona, Anglófona ou Francófona. O que nós queremos é a tradução das grandes obras africanas escritas em línguas europeias para as línguas africanas. Mas queremos também a tradução de clássicos europeus, americanos, asiáticos, latino-americanos para as línguas africanas.

 

LITERATAS: Que escritores contemporâneos africanos devem ser procurados pelos leitores?

NGŨGĨ WA THIONG’O: A nova geração, obviamente. Mas o verdadeiro desafio é a existência de novos autores africanos escrevendo nas suas línguas.

 

LITERATAS: Você está a trabalhar num projecto actualmente?

NGŨGĨ WA THIONG’O: Estou experimentando escrever bastante poemas em Gĩkũyũ.

 

LITERATAS: Se você pudesse deixar um conselho aos jovens escritores africanos, qual seria?

NGŨGĨ WA THIONG’O: Apenas um: escrevam, escrevam, escrevam de novo, você acabará por acertar.

 

LITERATAS: O que esperam e planos para o futuro?

NGŨGĨ WA THIONG’O: Muitos romances, teatros e poesias escritas nas línguas maternas. Mas também espero que muitos escritores africanos juntem-se a mim e escrevam nas suas línguas maternas. E mais, nossas línguas poderão dialogar com as outras através das traduções.

 

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Créditos da foto: Daniel Anderson

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