A Literatura como Espelho da Alma: Em conversa com Armindo António

Acompanhe aqui uma entrevista inédita com o escritor moçambicano Armindo António, que partilha suas experiências e sua visão sobre o mundo da escrita. Autor de 3 obras publicadas, o autor reflete sobre o impacto do livro para a sociedade.

Entrevista

A escrita de Armindo António nasce do cruzamento entre a experiência vivida, a escuta atenta e a força criativa da imaginação. Autor de Sobreviver ao Fogo, Amores e Outras Cores e Rosalina, o escritor moçambicano utiliza a literatura como ferramenta de reflexão, denúncia e transformação social. Nesta conversa, fala-nos sobre os bastidores da sua criação literária, a influência do contexto moçambicano na sua obra, os dilemas humanos que o inspiram e a sua visão sobre o papel do escritor no mundo contemporâneo.
A seguir, a entrevista completa.

 

1.Em que medida a sua escrita é um reflexo da sua experiência pessoal e da sua identidade como moçambicano?

R: O escritor é um eterno observador — de si mesmo e do mundo ao redor. A minha escrita nasce tanto da experiência vivida quanto da convivência com os outros. Tudo o que vejo, ouço e sinto transforma-se em matéria literária. Por exemplo, certa vez, durante uma conversa com amigos, exclamei: “a mulher nunca é feia, ela só pode ser pobre ou rica”. Aquela frase gerou debate e permaneceu comigo. Noutra ocasião, ouvi um amigo dizer: “ser bom não é bom”. Ambas as expressões me marcaram e acabaram por ganhar vida no romance Rosalina. A literatura é isso: um espelho da vida, com o toque criativo da imaginação.

2.“Sobreviver ao Fogo” carrega um título forte. Que tipo de fogo enfrentou — literal, simbólico ou emocional?

R: Esse “fogo” é, sobretudo, emocional. A obra foi inspirada por uma figura real, o padre Teodósio, nascido numa família humilde. Apesar de ter alcançado a nona classe — um feito significativo na época —, os caminhos para uma vida melhor pareciam fechados. Encontrou no sacerdócio uma saída, mas enfrentou o grande desafio do celibato. O desejo humano, a solidão, a repressão… tudo isso representava o “fogo” que ele teve de enfrentar diariamente. Escrevi essa história para mostrar como a alma humana, mesmo ferida, insiste em resistir

3.Como nasce uma história para si? Vem da observação, da memória ou da imaginação?

R: Para mim, a história nasce de diversas formas: Do que ouço, observo, vivo e memórias. Já, a imaginação constitui a força motriz por detrás de cada história. É a imaginação que me permite preencher os pontos cegos da história (as partes que não ouvi, não vivi, não observei…). É a imaginação que me permite criar e caracterizar personagens, elaborar cenários e narrativas envolventes, enredos, entre outros artífices. O sobreviver ao Fogo e Amores e Ouras Cores, são histórias que partem de pessoas concretas. Mas ninguém revindicou tal facto, isto porque a imaginação se encarregou de limpar os vestígios…

4.Acredita que a literatura pode mudar mentalidades ou realidades sociais? Como vê o seu papel como escritor nesse contexto?

R: Acredito que a literatura pode mudar mentalidades e realidades sociais. Até porque é essa a sua função. Por exemplo, na obra Sobreviver ao Fogo, a minha ideia é que não haja nenhuma profissão que limite os direitos naturais dos homens, como por exemplo, o direito de contrair matrimonio imposto aos padres. Essa ideia não é só minha. Eu acredito que num futuro muito próximo o celibato possa ser coisa do passado.

 

5.Qual é o seu posicionamento diante da ideia de que o escritor deve ser um “cronista do seu tempo”?

R: Primeiro porque os escritores anteriores a nós já escreveram sobre o seu tempo. Segundo, se a literatura tem a função de mudar as mentalidades e realidades socais, é justo que se debruce sobre os problemas do nosso tempo. É claro que não estamos no campo do direito onde se impõe determinadas condutas. Cada escritor é livre de escrever, seja sobre o passado, como sobre o presente e o futuro. Até porque a maior parte das histórias que se escrevem são atemporais.

 

6.O que gostaria de dizer que ainda não teve espaço ou coragem para escrever?

R: Toda obra mexe com os outros. Por isso, eu diria que nunca é pacifica. Mas tal, não pode nos impedir de escrever. Eu pessoalmente, ainda não tive um tema que receasse escrever. É provável que no futuro venha a ter.

7.Como gostaria que a sua obra fosse lembrada no futuro?

R: É difícil responder esta pergunta. As obras são lembradas de acordo com o seu impacto. Eu ainda não estou informado sobre o impacto das minhas. A critica literária ainda não se pronunciou. Em todo caso, gostaria que ajudassem a mudar as mentalidades e as realidades sociais. Se conseguirem fazer isso, acredito que poderão ser enaltecidas. Esse é o desejo de todo o escritor.

 8.Como a escrita dialoga com a sua vida cotidiana, com suas crenças, lutas e silêncios?

R: As obras representam o seu dono. Eu me escondo por detrás de personagens e narrador para revelar o que eu sou e o que eu penso sobre o mundo, em especial, sobre a sociedade onde me encontro inserido e, por vezes proponho saídas. É dessa forma que a minha escrita dialoga comigo mesmo e faz a revelação das minhas crenças, lutas, silêncios e ansiedades.

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